domingo, 18 de setembro de 2016

ALGUMAS VERDADES SOBRE A CIRURGIA BARIÁTRICA (PARTE III)

Olá, pessoas. Abaixo a última parte da série de textos sobre cirurgia bariátrica. Caso tenham alguma dúvida, crítica ou queiram conversar a respeito, é só deixar um comentário aqui que eu respondo tão logo quanto possível. Aproveito também pra agradecer o carinho de todos que ~me lêem~, hahaha, é um prazer enorme poder compartilhar partes da minha vida com vocês. Dito isso, vamos às últimas verdades:

1)      AS MOTIVAÇÕES PARA TER FEITO A BARIÁTRICA

Outro tópico extremamente sensível: mas, Alessandra, por que você fez bariátrica se era tão feliz gorda? Mores, deixa eu explicar uma coisinha: eu seria feliz de qualquer jeito. Não tenho tempo pra ser infeliz. Minha motivação não é e nunca foi estética, até porque pressupor que eu me achava feia gorda seria uma mentira. Quem me conhece sabe que eu tenho vários probleminhas de saúde adquiridos com o passar dos anos e que, nesse caso, o peso era fator crucial para minha melhora ou piora. Alguns destes são fruto da minha má alimentação, outros da genética e outros por muita falta de sorte mesmo.  Sempre fui muito ativa quando nova, então conseguia manter meu peso numa boa (apesar da pré-diabetes constante). Depois que me mudei pra São Paulo e caí de um ônibus em 2011 (hahaha, sim, isso aconteceu) e rompi  os ligamentos do tornozelo, comecei a ganhar cada vez mais peso. Eu comia a mesma coisa, mas não perdia pois não conseguia me exercitar por conta da dor. Chegou uma hora em que não tinha mais pra onde fugir, sabe? Meu manequim só aumentava, meu tornozelo estava cada dia mais sobrecarregado, adquiri uma hérnia de disco por conta da obesidade, meus hábitos alimentares em consonância com o sedentarismo me fizeram desenvolver esteatose hepática (a famosa gordura no fígado), uma gastrite bem tensa e o resto é lenda. Apenas isso me persuadiu a pensar na possibilidade, depois de anos fazendo dieta e tomando remédios (tanto pra emagrecer quanto pra dor). Entendo quem encare a bariátrica por conta da pressão estética, mas não apoio. Isso porque, como verão mais adiante, emagrecer não vai resolver todos os seus problemas.

2)      MANTENHA DISTÂNCIA: GRUPOS SOBRE CIRURGIA BARIÁTRICA

Eu sempre tive sérios problemas com ansiedade. De ficar com dor de cabeça, enjoada, sem dormir por dias pensando numa entrevista de emprego ou uma capinha de celular que ainda não chegou. Juro, sou bem dessas. Durante o período pré-operatório, no qual você faz uma caralhada de exames (não tô brincando, a lista é ridícula de grande e até tirei férias pra conseguir fazer todos a tempo), eu comecei a tomar remédios pra dormir de tão pilhada que estava. Era a pressão pessoal, a do trabalho, todos os compromissos, a vontade de fazer logo, de ver o resultado... Achei que quando finalmente operasse isso ia passar. E não passou. Não passou porque transferi toda essa energia pra pirar na meta imposta pelo médico de porcentagem de perda de peso. E ficar olhando grupo de operados no facebook  durante todo esse período só piorava tudo isso. Tem gente lá que perde 30kg em 2 meses. Tem gente que perde isso em um ano. É normal. Temos até dois anos para perder tudo o que precisamos, depois dá uma estacionada. Mas você quer ser que nem aquele que perdeu rápido, né? É óbvio. Você passa por um puta processo traumático, começa a ver as mudanças, perde um monte de roupa, não come direito... Cadê esse peso todo indo embora e estabilizando pra você poder compras umas brusinha? Quando você finalmente vai chegar na meta e ficar que nem o coleguinha do grupo? Não tem conselho neste tópico, na real. Só um desabafo. Eu passava mal olhando as postagens, os antes e depois (que muitas vezes são deprimentes e mostram as pessoas gordas em situações horríveis), abominava os tópicos sobre quem perdeu mais peso em menos tempo ou aqueles sobre quem come mais e continua magro... Pra mim era um ambiente tóxico, onde rolava muita briga, muita gente sendo repreendida quando tinha dúvidas. Acho que, no fim, em vez de ajudar, esses grupos só alimentam a ansiedade e o desespero de quem operou ou vai operar. Por isso, se puderem, fiquem longe. Consultem os médicos de vocês para as dúvidas e NÃO SE COMPAREM (nota pra mim mesma, inclusive). Cada pessoa reage de um jeito ao procedimento. Façam tudo direitinho e os resultados vão vir naturalmente.

3)      EMAGRECER NÃO RESOLVE TODOS OS SEUS PROBLEMAS

Acho que esse tópico entra como um resumo de tudo o que eu quis passar pra vocês com esses textos sobre como o procedimento funciona. Quem é gordo sabe que nem só de alegrias é feita nossa vida e que enfrentamos abusos, humilhações e ataques constantes de todos os lados. Mas, feliz ou infelizmente, não é emagrecendo 50kg que tudo vai embora, que a vida vira eternas férias de verão com música de pegação ao fundo e você começa a viver em Malhação 2005 (vagabanda is over!!!). Seu trabalho, seus amigos, seus ex, seus pais e especialmente suas escolhas continuam lá, assombrando ou alegrando seus dias. A treta é que passamos anos centralizando todos os nossos problemas em sermos gordos, porque fomos ensinados assim. Eu, por exemplo, demorei uma vida pra entender que a frase “quando eu perder 10kg vou conseguir ser feliz” é extremamente problemática e funciona apenas como desculpa esfarrapada pra não viver. Você vai estar mais magro, ok. Pode ser que fique mais disposto, PODE SER também que sua autoestima melhore e você se sinta mais alegre. Pode ser. No entanto, tudo o que você é, tem e passou vai continuar contigo. E bariátrica nenhuma resolve os problemas que você tem com você mesmo. Se você se achava feio, vai continuar se achando feio. Se você não tinha amor próprio, vai continuar não tendo. E o mesmo vale se você era um babaca gordo, porque você vai continuar sendo um babaca. Só que menos macio. 

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

ALGUMAS VERDADES SOBRE A CIRURGIA BARIÁTRICA (PARTE II)

Olá, amiguinhos. Abaixo a parte dois (de três) da série de textos Algumas verdades sobre a cirurgia bariátrica. Vem comigo:

1)      TERAPIA PÓS BARIÁTRICA É IMPORTANTE SIM

No meu caso, eu já fui bem nervosa pra sala de operação. Você acha que tem toda a certeza do mundo do que quer até se sentir numa cena de Grey’s Anatomy, sendo carregada num maca e vendo as luzes do teto passando por você. Sério, eu me tremia toda de tanto cagaço. Num segundo estava mega segura e, no outro, era o retrato da Anastasia de 50 tons de cinza. Ou seja, já comecei errado. Os dias que se seguiram não foram dos melhores também. Não lidei muito bem com minha estadia no hospital (e a privação de sono) e o primeiro mês em casa passou bem, mas bem devagar. Foi genuinamente difícil. Nesse período em que se tem bastante tempo livre, você acaba criando algumas expectativas irreais (alimentadas pela insegurança, dor e cansaço citados anteriormente) com relação aos resultados imediatos do procedimento. E, acreditem, isso pode nos frustrar horrores. Foi exatamente o que aconteceu comigo. Eis um exemplo mais claro: em seis dias eu perdi 7kg. É coisa pra cacete. Passou mais uma semana, fui me pesar toda animadinha: havia perdido apenas mais 2kg. E aí piração toma conta do serumaninho. Você começa a achar que não deu certo com você, que alguma coisa tá errada, que você tá tomando muitos copinhos de 20ml de suco, que a gelatina light tá te engordando. Quando percebi que esses pensamentos imbecis estavam tomando conta e arrebentando com a minha motivação, procurei ajuda psicológica. E foi a melhor coisa que eu fiz. Passei com a psicóloga com quem fiz o acompanhamento pré-bariátrica (que foi quem me deu o laudo aprovando o procedimento, inclusive), com a qual desenvolvi uma boa relação e muita confiança. Querendo ou não, a bariátrica muda a sua vida de maneiras que, a priori, você não enxerga. A sua relação com os amigos muda. O seu conceito de diversão, lazer e até prazer também mudam. São colocadas em pauta diversas limitações que pensamos estar preparados pra enfrentar e que, após o trauma de uma cirurgia, muitas vezes não estamos. E a terapia te ajuda pra caramba nesse sentido. Portanto, recomendo e reitero: não é frescura e, se possível, não abram mão do acompanhamento. Faz toda a diferença.

2)      VOLTAR A COMER PODE SER UM PROBLEMA

Passaram os 21 dias da dieta líquida. Os outros 7 de pastosa voaram. Chegou a hora tão esperada de comer alimentos feitos pra quem tem dente... O problema é que você não consegue. Seu estômago ficou pequenininho e está desacostumado a receber qualquer coisa que dê trabalho pra digerir. Além disso, a absorção das gorduras, açúcares e vitaminas é diferente agora. Por isso é importante escolher bem sua primeira refeição. Eu comi tudo o que eu queria: arroz, batata, tomate cereja e um pedaço de filé de peixe grelhado. E como foi difícil, migos... Você vai ficar lá mastigando 30 vezes e engolindo as coisas aos poucos – se não dói. Se não doer, vai voltar... – e quando for pegar a segunda garfada, tudo já vai estar frio. Bate um desespero danado. Você vai reaprender a se alimentar e vai ser um pé no saco.

No mais, pode ser que você não lide bem com o consumo de açúcar e tenha tremedeiras. O gosto da coca-cola nunca vai ser o mesmo, já aviso. Pode ser também que não dê pra comer carne de imediato porque, realmente, é um alimento rígido que pode parar no esôfago e não descer nem por decreto. Mesmo que você mastigue. Mesmo que você imploda com dinamite aquele pedacinho de proteína. Ela não está a seu favor. E, mais do que qualquer coisa, lembrem-se: NÃO TENTEM EMPURRAR COM ÁGUA. Vai dar merda.

3)      VOCÊ VAI ECONOMIZAR MUITO COM COMIDA...

Agora chegamos na parte legal. Amiguinhos, assim como eu, vocês vão economizar muito em comida. Muito mesmo. Oh, no restaurante por quilo você vai sentir um prazer que nunca experimentou antes: duvido que pague mais que 10 reais no prato (e tô falando de quilo bom, viu, não do sujinho do SENAC). Se você trabalha e rola um refeitório na empresa, aproveite pra levar sua comidinha bonitinha de casa. Assim cê sabe o que tá comendo, como foi feito e também as quantidades exatas (no começo você pode ficar bem perdido, como eu fico até hoje). Ir a um restaurante a la carte só vale a pena acompanhado: rola dividir um prato com o amiguinho e é capaz ainda que sobre. Sobre o rodízio, bom... Não sei se vale a pena at all. Existe uma lei que está em vigência em alguns estados brasileiros (leia mais sobre aqui) que determina que restaurantes deem desconto (de 30% a 50%) aos operados quando apresentada a carteirinha que comprove o procedimento. Se esse caso se aplicar e você fizer muita questão do rodízio: YOU GO GIRL!

4)      ... MAS VAI GASTAR UMA CARALHADA EM VITAMINAS

Aparentemente eu tô aqui pra dar más notícias pra vocês, né? As vitaminas que vamos ter que tomar PRO RESTO DA VIDA são bem carinhas e não tem muito pra onde fugir. É imprescindível tomar todos os dias, conforme orientação médica.  Mas compensa, prometo! 

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

ALGUMAS VERDADES SOBRE A CIRURGIA BARIÁTRICA (PARTE I)

Como todos vocês já estão cansados de saber, (quase) sempre fui gorda. E não me venham com esse papo de que eu era “gordinha”/”fofinha”. O termo “gordo” não é ofensa e não precisamos de diminutivos pra suavizar seu significado. Foram muitos anos de trabalho e reflexão até eu não ter mais vergonha de mim mesma. O amor próprio e a admiração pelo corpo gordo (que, como vocês também sabem, é rechaçado e alvo de desprezo desde sempre) também não vieram do nada. Mas isso é história pra outro dia.

O que queria falar pra vocês é que, no começo deste ano, resolvi que ia me submeter à cirurgia bariátrica por diversos motivos (que mencionarei a seguir). E assim como muitas outras decisões da minha vida, essa eu tomei ouvindo relatos de terceiros sobre o procedimento: li muito a respeito do lado bom e do ruim. E cá estou eu pra falar algumas verdades que, mesmo após extensa pesquisa, ninguém me disse, mas que eu considero essenciais pra quem está pensando na possibilidade.

Aproveito também para deixar claro que não estou aqui para desencorajar ninguém. Quero apenas dividir a minha experiência e opiniões sobre um procedimento que é vendido, muitas vezes, como remédio pra tudo, como se fosse algo simples, corriqueiro. Estejam avisados: não é.  

1)      BARIÁTRICA NÃO É O JEITO MAIS FÁCIL DE EMAGRECER

Ah, esse foi o absurdo que mais ouvi por aí. Muita gente falando que, ao escolher o procedimento cirúrgico, estamos optando pelo jeito mais fácil de emagrecer. Afinal, é “definitivo” (bem entre aspas mesmo, viu?!) e está longe de ser doloroso como ~fechar a boca~ e tampouco necessita da famosa (e tão irônica) ~força de vontade~. E aí, meus amigos, eu lhes digo: tomar uma decisão dessa exige mais que força de vontade. Imaginem deixar alguém cortar fora (ou grampear, como foi o meu caso) o estômago de vocês, pra minimizar problemas atuais e futuros (pressupondo que você não está fazendo por estética). Mais que isso: imaginem mudar a vida, os hábitos e lidar com as vontades e todos os obstáculos que um procedimento invasivo desses impõe. A intervenção cirúrgica ajuda, mas não resolve nada se você não seguir a dieta, não fizer acompanhamento, tomar os remédios, realizar 500 exames...  E lidar com isso física e psicologicamente é muito mais difícil que entrar em uma academia.

2)      VOCÊ VAI SENTIR DOR POR UM BOM TEMPO

E já adianto: a dor começa logo depois que você percebe que tá viva. A cirurgia é curta, dura uma hora/uma hora e meia caso não haja complicações. Aí você acorda no centro cirúrgico com o abdome totalmente inflado, com muita dor no corpo e dificuldade pra respirar (por conta dos sedativos). Algumas horinhas depois vão te levar pro quarto. Você, na maior ilusão da sua vida, acha que vai ficar deitadinha descansando. Afinal, você acabou de passar por uma cirurgia, né? Te cortaram toda, gente. Provavelmente algum enfermeiro vai vir te dar a má notícia: você não pode deitar na cama. Para que os gases que usaram pra inflar seu abdome na cirurgia saiam de você, é necessário que caminhe. O esquema é assim: 40 minutos caminhando pelo corredor (eventualmente vai rolar um trânsito com os carrinhos de soro) e 40 “descansando”, outro termo que devemos usar com cuidado e entre muitas aspas. Ninguém descansa em hospital após a bariátrica. Esses 40 minutos de relaxamento, na verdade, servem pra você tomar medicação, fazer os exercícios respiratórios, talvez um xixi (o que pode dar um trabalho do cacete) e a fisioterapia. Essa rotina deliciosa vai geralmente até às 22h30 e começa de novo às 06h30, quando o médico passa pra perguntar se tá tudo bem e sugere que você saia da cama e volte a se exercitar.

Depois dessa temporada agradabilíssima no hospital (e aproveito aqui pra agradecer todos os familiares, enfermeiros e médicos que cuidaram de mim e tiveram uma paciência absurda), você finalmente recebe alta pra ir pra casa. O que pode demorar a manhã inteira (e talvez seja interessante ficar amiga da enfermeira e dar uma cobradinha pra ser liberada logo). Acredite: você nunca quis tanto sua cama na vida. E quando você estiver no conforto do seu lar, achando que tudo vai melhorar... Adivinhe? Vai continuar com dor. No meu caso, foi pouco mais de um mês pra não sentir mais o gás carbônico pressionando meus órgãos. Isso varia muito, mas eu dei azar. Deitar em qualquer posição era bem incômodo, tomar banho foi cansativo (e é importante ter sempre alguém de olho, já que você fica fraco e pode cair sua pressão) e aquela sopa vira um pesadelo depois de alguns dias. E digo mais: as duas semanas que eles te deram de afastamento talvez não sejam suficientes. É complicado ficar sentado durante tanto tempo no trabalho, é exaustivo subir dois degraus no começo e bem chato ter que tomar chá de cinco em cinco minutos quando se está resolvendo algo por telefone. Mas passa, miga. Fica tranquila. Hoje, no meu terceiro mês de operada, confesso que até esqueço que fiz.

3)      NÃO MASTIGAR PODE SER UMA TORTURA

Acho que, muito além das dores do procedimento, a definição de sofrimento pra mim foi não poder mastigar. Normalmente as pessoas que não passaram por isso não entendem e pode soar como exagero, inclusive. Mas, pensa bem, gente: estamos acostumados a mastigar o tempo todo. Temos esse montão de dente pra comer carne com ousadia e alegria. Aí cê faz bariátrica e fica vinte e um dias tomando água e outros sete engolindo papinha. Você quer morrer. Você quer mastigar a sua irmã. Você sente saudades da crocância até do alface. Tinha dias em que eu me iludia e mastigava a sopa. E o que eu fiz pra não ficar tão pirada nesse período foi morder gelo. A gelatina também dava uma boa aliviada, porque era a coisa mais firme que eu ingeria no começo.  Outra boa notícia: essa fase também passa. Mas, mais uma vez: não é fácil. 

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

O PRIVILÉGIO DO CARPE DIEM

Hoje li um texto muito bom da Ruth Manus. Nele, ela falava de uma galera incrível que se permite viver com pouco e abrir mão de grandes carreiras em prol da felicidade (link aqui).  Segundo ela, é a “geração que encontrou o sucesso no pedido de demissão”, carpe diem e blábláblá. O que é muito bonito e tudo mais. Quando a gente lê que aquele amigo dela largou comércio exterior pra trabalhar num hostel até bate a ansiedade, né? Uma vontadezinha absurda de fazer o mesmo. De parar de faturar pra multinacional, viajar o mundo passando perrengue em albergue, de ser criativo, aplaudir o pôr do sol, viver das coisas que a natureza dá e todo aquele papo de humanas que conhecemos e, claro, adoramos. 


Mas sinceramente, pra mim, a ideia de que, diferente dos nossos pais (que encontraram um modelo de sucesso na carreira, e seus pais, por sua vez, na família), nós percebemos que o sucesso profissional não garante sensação de missão cumprida, é balela das grandes.  Não porque, de fato, ela garanta. Mas porque é de uma pretensão imensurável acreditar que todos podemos – e devemos – viver de gratidão ao universo: abrir mão daquele emprego que te ajuda a sustentar uma casa em razão desse sonho de hippie urbano que não tem hora pra acordar.

Mais que isso, as palavras da Ruth me trouxeram a clareza de que somos muito deslumbrados e, especialmente, privilegiados. Acredito que seja muito fácil pra mim abrir mão do meu emprego hoje (em comparação com a realidade de outros milhões de brasileiros). Tenho o suporte financeiro da minha vó. Até da minha irmã, se precisar. Mas esse é o papo da menina branca de classe média, entende? Assim como a Ruth, eu adoraria viver dos meus textos. Entreter as pessoas, fazer mochilão, sair do escritório e ser extremamente mais feliz. Mas, no momento em que vivemos, é possível se dar esse luxo?

E olha que não tô aqui criticando quem faz, hein?! É lindo ver quem larga tudo e vai fazer hambúrguer (até porque eu adoro hambúrguer), quem decide mudar de país pra trabalhar de babá ou viver de artesanato. Eu acho digníssimo e, sinceramente, admiro quem pode e consegue. Imagino que exija força de vontade e coragem inigualáveis. Também não acredito que devamos ser escravos das nossas obrigações, que devamos esquecer e enterrar nossas paixões por conta de um salário. Mas vamos concordar que a utopia do Carpe Diem não é pra todo mundo como os textos que vemos pela internet fazem parecer? Que a propaganda do "largue tudo e vá viajar" não condiz com a realidade do brasileiro médio?

Vou dar um exemplo prático. Tenho uma amiga maravilhosa, a Michelle. Mulher, negra, sempre estudou em escola pública e trabalhou. Hoje tem duas faculdades e uma pós graduação na USP. A mina é genial. De verdade. Coisa de deixar a gente pensando “nossa, quando crescer eu quero ser que nem ela”. Ela trabalha com turismo, que é uma coisa que ela gosta, mas está longe de ser o ideal. São longas horas, muita correria e pouco salário. Garanto pra vocês que a vontade dela era largar a porra toda e viajar o mundo. Garanto também que quando ela lê o texto da Ruth ela pensa: “por que não eu?”. Ela merece fazer o que ama? Merece muito. Ela pode? De jeito nenhum. Ela tem uma família que depende exclusivamente das rendas dela e da sua irmã.  Se elas não estiverem lá trabalhando, quem paga o mercado?

Então, meus amigos, muito além da admiração que eu tenho por quem cria coragem e vai fazer o que gosta, eu admiro quem fica por necessidade. Eu admiro quem aguenta a porrada todos os dias, quem faz o impossível e abre mão de muita regalia pra prover. Se eu tivesse que escolher um exemplo a ser seguido, eu certamente escolheria a Michelle.  Acho que faltam textos para parabenizar as Michelles por aí. Que, muito além de qualquer vida perfeita de instagram, carregam SIM o sentimento de missão cumprida. 

domingo, 21 de junho de 2015

VAI UMA DOSE DE RELACIONAMENTO ABUSIVO AÍ?

Estávamos no ano de 2010. Era o meu último ano do colégio e este foi regado a muito álcool, algumas perspectivas e pouquíssimo amor próprio. Entre uma inscrição pro vestibular e outra, meu maior passatempo era ficar no Orkut. E foi lá que conheci esse rapaz que parecia o resumo dos meus sonhos: gentil, inteligente, bonito e... Claro, preferia gordas. Reparem que eu não disse que ele “gostava” de gordas, porque existe uma diferença essencial entre gostar e preferir (sobre a qual eu disserto aqui). Mal sabia eu, estava entrando em um relacionamento sério com um sociopata.


Nós nos conhecemos pessoalmente, nos gostamos e eventualmente começamos a namorar. Ele seria o meu primeiro namorado sério, de apresentar pra família e deixar ouvir a gritaria nos almoços de domingo. E apesar de não me recordar muito bem, acho que o nosso primeiro ano juntos foi até saudável. Quase não saíamos de casa, havia algumas crises de ciúmes e brigas, mas nada que me fizesse sofrer todos os dias. A única certeza que eu tinha é que precisávamos melhorar – e foi isso que me fez continuar com ele por tanto tempo (pessoas que sofrem algum tipo de violência por aquelas que amam acreditam que existe a possibilidade de mudança, perspectiva de melhora ou de salvação, quando na verdade não há).

Pra ser sincera, também não saberia dizer quando tudo piorou de vez. Provavelmente em algum lugar entre o discurso de ódio contra mulheres, as ameaças e a traição. Mas pra mim, o maior agravante é que eu, de início pessoa forte e que tinha alguma autoestima, fui me deixando levar pelo discurso do homem que dizia me amar, mas fazia questão de me diminuir por ser gorda. Que mentia, manipulava, exigia e me magoava. Que me fez dependente física e emocional daquele sentimento. E aí sim chegou o momento em que sofria, de fato, todos os dias.

Nossas brigas eram recheadas de frases como “você é louca”, “você é gorda e por isso não tem coragem de terminar comigo” e “eu posso fazer o que quiser porque você não quer morrer sozinha”. Nossa convivência drenava toda a minha energia. Os problemas nunca pareciam ter fim. As chantagens emocionais e agressões eram tão constantes que eu me acostumei. Só hoje vejo como era doentio sentir como se estivesse fazendo sexo com um completo estranho e só conseguir chorar depois. Ele fingia que não via.

Passei a jurar pra mim mesma que todas as coisas ruins que aconteciam comigo eram normais. E por ter aprendido durante toda a vida que valia menos que outras pessoas, eu aceitei. Aceitei também por acreditar que amor é aquilo, que o amor vence e muda tudo. Que faz parte levar desaforo pra casa, sofrer um pouco (ou muito, nesse caso). Que é necessário perdoar e tentar de novo. Era frequente o sentimento de culpa. Eu me achava um lixo de pessoa, uma namorada ingrata por ter um homem que me aguentasse mesmo gorda... Enquanto isso, meu ex jurava que era o melhor namorado do mundo. No começo eu não acreditava. Mas ele foi repetindo essa frase tantas vezes que além de se convencer, acabou me convencendo também.

Posso dizer que felicidade mesmo eu só senti quando tudo acabou. Depois de semanas tentando terminar, ele me convidou pra ir até a sua casa. Conversamos, nos demos bem, fiz pela última vez tudo o que ele queria. Acordamos, nos olhamos e, como se esperasse alguma reação apaixonada minha, disse que achava melhor terminarmos. Peguei minhas coisas e desci as escadas. O alívio e um tipo de ansiedade tomaram meu corpo. Só me lembro de ir embora no mais profundo silêncio. 

sexta-feira, 29 de maio de 2015

LÁ VEM A GORDA

Certo dia li um texto muito bom que se chamava “Porque eu não saio mais com caras que preferem as gordas”. Eu, como pessoa gorda desde (quase) sempre, acabei me identificando com o conteúdo imediatamente. A autora dizia basicamente que existe uma diferença quase fundamental entre GOSTAR de gordas e PREFERIR gordas. Vem cá que a tia te explica como funciona.


Ser gordo é essencialmente uma merda. A gente aguenta desde cedo pessoas apontando o dedo e dizendo que é um crime ser como você é. Que é repugnante, que “gordo” é ofensa, que sua saúde isso, que seus namorados que nunca vão existir aquilo... E não preciso nem falar da barra que é encontrar roupas que não sejam bizarras ou com estampa de onça. Gente, novidade pra vocês: nem toda gorda quer usar animal print cafona. Conseguir um emprego também se torna uma tarefa mais difícil porque, afinal, somos preguiçosos e não estamos aptos a fazer qualquer coisa que não seja comer. Resumindo, a nossa relação com a autoestima tem tudo pra dar errado, por esses e outros motivos. E não me digam que é só “se bastar”, porque é bem mais complexo que isso. Nem todo mundo aguenta tomar porrada a vida inteira e não se sentir derrotado. 

E aí entra o lance dos rapazes que GOSTAM de gordas e os que PREFEREM as gordas. Os caras que gostam de mulheres gordas são aqueles que consideram elas bonitas independente de qualquer padrão estético, que sentem tesão em corpos mais robustos e blá blá blá. Às vezes rola até um fetiche - o que me repele um pouco, confesso. Já os caras que preferem as gordas, geralmente procuram na fragilidade da autoestima a oportunidade PERFEITA pra ser babaca. Isso porque o ser subentende que, por eu ser gorda (e, portanto, “menos atrativa”), vai ser bem mais fácil me persuadir a transar com ele e/ou fazer o que quiser. Já conheci diversos homens que juravam que estavam me fazendo um favor ao sair comigo. Já ouvi de ex-namorado que eu não deveria terminar com ele porque, por eu ser gorda, outros caras não iriam querer ter um relacionamento sério com alguém como eu.

Percebi depois de anos que esses caras tendem a se relacionar com mulheres assim pela facilidade de manipulação, usando do terrorismo psicológico em volta do: “Hm... Tem certeza que não vai fazer o que eu mando? Acho que você vai ficar sozinha pra sempre. É isso que você quer?”. E isso só funciona com algumas de nós porque, de fato, durante uma vida toda somos ensinadas que valemos menos que as outras. Por isso também o medo da “solidão” é tão iminente.

E aí vocês me perguntam: “Mas, Alessandra, se você sofre tanto, por que você não emagrece?”. E, amigos, eu lhes respondo: eu não deveria precisar fazer uma dieta pra me sentir completa, feliz e amada. Ninguém deveria. 

quarta-feira, 27 de maio de 2015

HATERS GONNA HATE

Odeio novela. Odeio pau de selfie. Odeio aquela menina. Odeio mais ainda aquela roupa. Odeio gente que aplaude o pôr do sol. Odeio o que é gourmet. Odeio meu ex. Odeio BBB. Odeio você e todo mundo que te apoia.


Vocês já perceberam a quantidade de tempo e energia que a gente gasta odiando as coisas? É incrível. As redes sociais estão cada vez mais infestadas de discursos desse tipo e quem endossa esse comportamento violento somos nós mesmos. Mas por quê?

Porque é muito mais fácil criticar que elogiar, ué. E muito mais gostoso também. Nenhum de nós quer admitir, mas no fundo sentimos aquela pontinha de superioridade quando declaramos ser contra alguma coisa, afinal, por algum motivo ela ofende o nosso tão elaborado intelecto: “É sério que você escuta funk? Justo você, uma pessoa tão culta...”. “Justo você”? Sério que gostar de uma coisa me coloca abaixo na cadeia alimentar? É possível que isso invalide e torne negativa toda construção da minha personalidade durante os anos? Funk é antônimo de cultura? Doido, hein?! Nem sabia.

E percebam que esse papinho serve pra qualquer coisa que seja mainstream no momento. Uso o exemplo do funk porque eu mesma já falei essas coisas. Tive a minha fase ~chatinha pseudocult do heavy metal~ e acreditava piamente que funkeiros deveriam ser exterminados, usando de um discurso fascista que só. Uma menina de treze anos desejando de coração que pessoas sumissem da face da terra por conta do estilo de música que gostavam. Pra mim não importava o funk como manifestação cultural, comunicação ou arte. A capacidade de incorporar o preconceito e a intolerância estavam em mim e eu sequer notava. 

Hoje o que me incomoda é ver amigos aos 20, 30 e 50 anos com alguma experiência de vida, que se dizem tão estudados e conscientes, falando a mesma coisa que eu inocentemente dez anos atrás. E eu não quero acreditar que qualquer tipo de ódio - mas especialmente o gratuito - pareça racional pra alguém. 

Acho que no fundo o que temos que nos perguntar de verdade é: “Por que eu odeio isso?” Lembrando que “porque eu quero” não é a resposta mais saudável ou madura. Você não é obrigado a gostar de nada, mas... Deixemos as pessoas ouvindo funk (com fones de ouvido) em paz. Deixa a galera de humanas aplaudir o pôr do sol. Deixa a amiga ir na cervejada usando sombra azul. Deixa o irmão comentar BBB no twitter. Paremos de nos incomodar tanto com o que faz os outros felizes e procuremos o que nos agrada e faz bem. Eu tô tentando... E você?